Textos

Afortunada Santa

Santa Tereza fica suspensa entre as esmeraldas convexas

que se espalham à direita até o rio e à esquerda encontram o arroio.

Aqui o tempo silenciou as máquinas.

Emergente é o piado das aves, o farfalhar da

vegetação e o queixume do Taquari.

Há pressa de vida por estes lados

Há pressa de pausa para contemplação

Há pressa na camaradagem

Aqui eu corro para minha companhia

Cochicho pequenas vontades

Tricoto as mais belas intenções

Desconfio do sonho que tenho tido a teu lado

Santa Tereza

A esperança é verde como tu

Considero as marcas do tempo nos teus casarios

Me forjam sorrisos

Admiro tua gente bondosa

Me presenteia com brandura

Não permita que te toquem bela Santa

Nem queira conhecer os desafios deste século

Fique com apito do trem

É o bastante

continuar lendo

Carreira

Tanto mais me aprofundo na vida

Mais distante dela eu fico

Filigranas a desviar o percurso

Retórica moral a engessar os passos

O fio de cabelo engomado a extrair horas

A filosofia é ladra de experimentações

Os recortes de vida quadro a quadro

Tudo tão amiúde

Navegar o rio retido por afluentes

Parece imprimir genialidade

Mas é trava da corrente

Deveria ter negligenciado à perfeição

Ter sobrevoado as matas

Ter deslizado pelas ruas

Ter flutuado pelos becos

Confiar nas preces seria opção

Porém, ceguei

Minha fé pergunta, desconfia, faz sofrer

Gavetas e portinholas abertas

E todas as chaves perdidas

Ao pormenorizar a vida

Errei as vírgulas

Enquanto não houver ponto

Bordarei no próximo estandarte

aNARQUISTa

continuar lendo

Olho

Da vertente nasce o rio
Onde nasce há choro
Onde cresce há dor
Onde arrisca desloca
Possa eu beber o líquido da vida
Hidratar meus sonhos
Realizar o parto e seguir o curso
Farejar novos brejos
Andarilhar quilômetros
Sentir a vegetação da várzea
Que bons ventos me empurrem ao mar
De lá farei longa mirada
Cruzarei mares
Em mim, descortinarei um novo país

continuar lendo

Insolência

A vida emoldurada

O cabelo milimétrico

Não posso, eu não

Estou sempre em desalinho

Sou tropeço

Não compreendo meu começo

Tampouco sei onde arremato

Sou fumaça sem contorno

Sou fruto de combustão

Sou poluente

continuar lendo

Vincent!

És árvore de longas raízes e dor 
Quanta dor
Não duvide. Creia
Ele está entre teus girassóis
A urdidura cativa os passionais
Que sangue vertem do espírito
Que errantes buscam o caminho
Eu me abraço a ti, me compreendo em ti
Guardo modéstia, não me igualo
Me inspiro
Tenho um fogo em mim, de um amor arrevesado
Amor substantivo de penas prescritas
Amor que pode, que pesa e cria
Por ele choro diante de tuas igrejas
Por ele me calo diante dos teus crespos firmamentos
À noite te miro nas estrelas
No dia me abraso com teus girassóis
Vincent!
Guardo ruivez no coração úmido
Desejo que germine

continuar lendo

Dentro do mundo

Vi o mundo por dentro
Pelos olhos de Picasso
Pelas mãos de Rodin
Pelos pés de Nureyev
Toquei as abas e frestas
Por onde transita a mágica
Vi o mundo por dentro
Pelas encostas de Tosa de Mar
Pelas grades da torre Eiffel
Pelo entardecer de Firenze
Toquei a umidade e o bolor da Idade Média
Pelos canais de Veneza
Pelo Duomo de Siena
Pela dureza de Orvieto
Toquei o mundo por dentro
Pelas feridas de Philip Roth
Pela candura de Quintana
Pela magnitude de Nabokov
Vi o mundo por dentro
Pelos girassóis de Van Gogh
Pelo exercício da fé, pela dúvida, pelo medo
Pelo começo e pelo fim
Ouvi o mundo por dentro
Pela dor de Piaf
Pela heterodoxia de Nina Simone
Pelo sussurro de Chet Baker
Senti o mundo por dentro
Pela alma esgaçada, pelo prazer e pela dor
Enfiei o nariz no mundo
Cherei aromas e provei temperos
Flutuei pelo mundo
Arranhei meu corpo nos cabarés
Alienei minha alma às igrejas
Extraviei meu coração em casa

continuar lendo

1 2 3